Sob proposta da Directora Regional de Educação do Norte, a Escola Carolina Micaelis irá dedicar o primeiro dia do terceiro período lectivo a reflectir sobre os graves acontecimentos de indisciplina numa aula de Francês que tiveram como resultado imediato a transferência de dois dos alunos para outras escola e uma forte situação traumática para a professora.
1. Devo dizer que considero muito positiva a iniciativa da Directora Regional, desta vez a mostrar alguma lucidez, na proposta de reflexão sobre um problema que afecta não só a Carolina Micaelis , mas um conjunto considerável de outros estabelecimentos de ensino e educação.
2. Não concordo com a medida punitiva de transferência para outra escola, porquanto me parece que não resolve o problema, antes o deslocaliza. Estou convencido de que, na primeira oportunidade, a aluna em questão irá de novo atender o seu telemóvel durante as aulas e que o aluno não desperdiçará qualquer nova oportunidade de vestir a sua pele de realizador de cinema para internet.
3. Não percebo por que razão só estes dois alunos foram sujeitos a medidas punitivas, enquanto os restantes da turma que participaram activamente no desacato ficam impunes.
4. Entendo que a professora possa recuperar a sua disponibilidade para trabalhar, tão cedo quanto possível, de forma a não aparecer mais fragilizada do que já está perante os seus alunos.
5. Repudio a falsa cegueira da ministra que insiste em não querer ver o óbvio, no que diz respeito à indisciplina e às agressões de que os docentes são alvo nas escolas.
Acho, portanto, que uma reflexão vem mesmo a calhar, envolvendo alunos e professores, obviamente, mas também pais e encarregados de educação e órgão de gestão das escolas.
"A central de propaganda do Governo vinha trabalhando com incontestável êxito no sentido de forjar uma opinião pública desfavorável aos professores. Mas os cem mil que desceram a Avenida da Liberdade alteraram os dados desse jogo sujo e puseram muitos portugueses a pensar. É a esta luz, em minha opinião, que se deve entender a forma suicida escolhida pelo poder para gerir a crise e a insensatez de artigos e declarações públicas que se sucederam. Como o problema era complexo, alguém puxou pela cabeça e... chamou a polícia. Seguiram-se as profissões piedosas de Rui Pereira e o inquérito da ordem. Em Chaves, Santos Silva perdeu (uma vez mais) o controlo e disse coisas que só não surpreenderam porque já o tínhamos ouvido, na última campanha para a Presidência da República, referir que a eventual eleição de Cavaco Silva corresponderia a um golpe de Estado. No dia em que se recordavam os 199 assassinados na barbárie de Atocha, Jorge Pedreira chamou terrorista a Mário Nogueira, quando falava da abertura e da flexibilidade do Ministério da Educação, a poucas horas de se sentar à mesa com o dirigente sindical, para negociar. Nada mais coerente e apropriado ao diálogo e à concertação! Maria de Lurdes Rodrigues, dada a números como ninguém, desprezou os cem mil! Irrelevante, disse. E lá foi, independente, rir (coisa rara nela) e desagravar para o comício do PS, onde alguns, na sua lógica maniqueísta, foram relevantes. Os professores que se manifestaram em Lisboa não me lembraram "os hooligans", como o senhor do berbequim sugeriu. Não me incomodaram "os cabelos desalinhados, as senhoras a fazerem tristes figuras". Fico antes perplexo com os bem penteados que confundem velocidade com toucinho e não cuidam de estudar aquilo de que falam. São para eles as linhas que se seguem. A qualidade do desempenho profissional dos professores é uma das variáveis que contribuem para a qualidade da formação dos jovens e que, por isso, deve ser seriamente considerada na gestão educativa. Mas antes dela abundam muitas outras, que nem a escola nem os professores podem controlar. Lembro algumas, sem as esgotar: baixos níveis de literacia dos progenitores, com a consequente impossibilidade de continuarem em casa o trabalho da escola; empobrecimento das famílias (dois milhões de pobres, dois milhões de assistidos), num cenário de crescente aumento das desigualdades económicas e sociais, que favorecem o abandono precoce do estudo em busca de trabalho, ainda que mal pago; desvalorização do papel social da escola, numa sociedade onde a posse de uma formação longa é cada vez menos garantia de acesso ao trabalho remunerado (fala-se sempre da escola formar para o desemprego, nunca se fala de o mercado não gerar empregos suficientes para todos); universalização do emprego precário e aumento do desemprego; políticas urbanísticas inadequadas, geradoras de guetos étnicos e sócio-económicos propiciadores da exclusão e da marginalidade; aceitação e promoção de um paradigma de vida em que a escola deve substituir os pais (as crianças do básico já passam 39 horas por semana na escola e a medida moderna proposta é estender o estranho conceito de "escola a tempo inteiro" ao secundário, guardando os jovens na escola 55 horas em cada semana). Outras variáveis, directamente actuáveis pela gestão educacional, permanecem intocáveis ou sofreram intervenções degradantes: planos curriculares e programas disciplinares; orientações metodológicas; prestações exigíveis aos alunos e seu estatuto disciplinar; modelo de gestão das escolas; políticas de formação inicial e contínua dos professores; estruturas de supervisão; políticas de rede escolar e de modernização de equipamentos.
No meio de tudo isto, a avaliação do desempenho está longe de ter o impacto que muitos lhe atribuem. Mas vamos a ela e falemos dos erros que subjazem ao decreto que a regulamenta, sob a forma de perguntas que endereço aos que apoiam a ministra da Educação: Onde está a evidência mínima, a simples presunção fundamentada, ao menos em experiências similares, que, cumprido o proposto, os resultados dos alunos melhorariam? Que países, daqueles que servem habitualmente de modelo aos arautos da modernidade, ou outros, puseram em prática modelos similares e que resultados foram obtidos? Que análise custo-benefício fizeram os arquitectos do monstro, antes de o parir? Quanto custa observar três aulas por ano (pelo menos, como manda a lei) multiplicadas pelo número de professores a avaliar? Surpreendem-se se adiantar que, só para isso, estaremos a falar de qualquer coisa como 700 salários anuais de professores de topo de carreira? Quanto tempo e quanto custa preencher a loucura de fichas e papéis que o sistema supõe? Não é verdade que, entre outras, sublinho, entre outras, teremos uma ficha de objectivos individuais, uma ficha de auto-avaliação do avaliado, uma ficha de avaliação de um avaliador (coordenador do departamento), outra ficha de avaliação de outro avaliador (presidente do conselho executivo), uma ficha de observação de aulas, uma ficha de avaliação do portefólio do avaliado e o próprio portefólio do avaliado? Poderão e deverão as escolas dedicar um tempo desproporcionado à avaliação dos professores, tempo que retirarão ao ensino, missão primeira da escola? Não é verdade que poderemos ter licenciados a avaliar doutorados? Não estamos, por essa via, a envenenar irremediavelmente o clima relacional entre os docentes, já perigosamente aviltado pela grosseira injustiça que dividiu professores em titulares e outros? Não é verdade que se reduziu ao ridículo a tradicional lógica dos saberes instituídos, quando poderemos ter um professor de Biologia a avaliar um colega de Matemática ou um de Física a perorar sobre o desempenho doutro de Informática? Não será aberrante um biólogo ir observar a aula de um matemático? Não é inaceitável que a ministra argumente que todos os professores avaliadores estão preparados para avaliar colegas, já que toda a vida avaliaram alunos, como se a supervisão pedagógica fosse simples diletância de universitários lunáticos? Não teremos um conflito insanável de interesses, quando avaliando e avaliador podem ser concorrentes a uma mesma menção de "excelente" e o segundo pode driblar o primeiro, esgueirando-se pela porta estreita das quotas? Não é certo que o sucesso dos alunos é muito mais provável numas disciplinas que noutras? Não é verdade que a avaliação externa não se aplica a todas as disciplinas? Como aceitar que a inteligência diferente dos alunos, a sua aplicação e interesse, as deficiências transitadas de anos anteriores, etc., possam rotular o trabalho dos professores, ao menos sem um acurado mecanismo ponderador? Como indexar, assim, parte da classificação dos docentes a critérios tão vulneráveis? Como negar que a curta história do diploma em apreço seja a macabra história de comportamentos continuados de desrespeito da própria lei por parte dos seus autores, como a insensatez das datas, a não regulamentação do essencial e a trapalhice continuada para salvar a face suja? As perguntas que ficam não são mera retórica. São a evidência de um sinistro disparate. Mas tiveram uma resposta, igualmente sinistra: força, ministra!"
Interpelada na Assembleia da República, sobre os problemas actuais provocados pelas políticas educativas do governo a que pertence, a Ministra da Educação disse: NADA.
É o vazio de ideias, é a obstinação recorrente, é a arrogância da maioria absoluta, é a estratégia autista do quero, posso e mando a que nos vão já habituando.
Muitos têm falado muito de Educação, em geral, e de Professores, em particular. Muitos são os que têm falado de Educação tendo dela uma visão superficial, antiquada, virtual, seguidista da política vigente. Muito têm falado muito sem, verdadeiramente saberem o mínimo do funcionamento das escolas e, por isso, se têm entregado aos comentários mais ridículos acerca do empenhamento, ou da sua falta, dos professores deste país. Muitos têm dirigidos aos docentes, em geral, um ódio estigmatizado por uma ou outra experiência traumatizante do seu passado e da sua relação com a escola, estendendo à maioria os defeitos de alguns.
Há maus professores como há maus médico, advogados, construtores, carpinteiros, polícias. Até há maus ministros, como sabemos. E nesta área, sabemos bem quantos dos 26 ministros, que já ocuparam a 5 de Outubro, podem incluir-se no lote dos bons. Todos eles tentaram fazer a sua reformazinha sem avaliar convenientemente as experiências anteriores. O resultado está à vista e a culpa, segundo eles, é dos professores que são alérgicos à mudança. Andamos há 33 anos a mudar coisas na educação. Os professores são alérgicos à mudança pela mudança. Nem todas as mudanças são boas. Quantas vezes, até na nossa vida pessoal fazemos mudanças para pior.
Mas, ainda a propósito do muito que se tem dito sobre educação, professores e avaliação, convém ler (aqui) a Carta enviada à Ministra da Educação pelo Conselho Pedagógico da Escola Secundária Pluricurricular de Santa Maria Maior, em Viana do Castelo, que expõe com muita clarividência as razões porque a classe dos professores contesta este sistema de avaliação.
O link remete para um post publicado no blogue "A Educação do meu umbigo" que se tem revelado como a voz esclarecida dos docentes neste braço-de-ferro entre ministra e docentes.